domingo, 28 de março de 2010

Voltam os vinis e chegam os livros digitais no Brasil

A Livraria Cultura, uma das mais tradicionais do país, se prepara para a chegada de 120 mil livros digitais: vendas de vinis, CDs e DVDs também cresceram em tempos de downloads

A esposa de Sérgio Herz, diretor da Livraria Cultura, presenteou-o há pouco tempo com um tocador de vinis. O agrado, que pareceria algo antiquado se não fosse a entrada USB e compatibilidade com CDs e MP3, fez com que ele, segundo o próprio, “voltasse no tempo” e comprasse discos de alguns de seus clássicos preferidos, como Queen e Led Zepellin.
E parece que ele não é um colecionador solitário. Hoje, diz Herz, as vendas das “bolachas” de sua loja já representam 5% da área musical, algo que era inimaginável três anos atrás. Um fenômeno parecido com o ocorrido em 2009 com suas vendas de CDs e DVDs, que, para a surpresa de muitos, aumentaram 17% em meio à concorrência de torrents, blogs e compartilhadores de arquivos espalhados pela web.
A internet, inclusive, vem sendo uma grande aliada para o diretor da Livraria Cultura. De todas as suas vendas, 18% vêm do online – 80% delas correspondem a livros (o artigo mais comprado por e-commerce no Brasil). Até mesmo o Google Books, vilão para muitas editoras internacionais, é citado por ele como um grande imã para atrair consumidores e leitores pelo site de busca.
Agora, seu desafio é manter os bons números na internet e tentar prever a loucura do mercado da cultura e entretenimento ligado à tecnologia pessoal. Que mídia fica?
Qual sai? O que entra no lugar?
A fim de discutir o tema, Herz aceitou conceder uma entrevista para falar sobre comércio online no Brasil, consumidores, música, burocracia, livros de papel e a mais nova aposta de sua loja: os livros digitais.
Confira a conversa logo abaixo:

Quantos livros digitais virão e quanto custarão?
Vamos começar a comercializar 120 mil títulos, vindos de editoras estrangeiras e nacionais. Os preços são feitos pelas próprias editoras, elas que determinam. Normalmente são mais baratos do que os livros de papel. Em alguns casos, 20% a 25% mais barato. Mas tem livros que são mais caros, por política da editora…

O consumidor do Brasil está preparado para este formato?
O mercado nasceu agora. É um começo e está todo mundo testando. E o consumidor aprende também, tem uma evolução dos dois lados, tanto das empresas que oferecem o serviço quanto de quem está comprando. A probabilidade é o crescimento. Quanto mais device tiver, mais fácil a divulgação. Agora, o que a gente não sabe é exatamente o quanto isso vai ocupar do livro tradicional.

Sérgio Herz, diretor da Livraria Cultura: "Se você pensar e viver na tecnologia, o que você vai ter para mostrar no futuro, uma caixinha e só?"
Pretendem vender leitores de ebooks?
Iremos revender os que existem, quando estiverem no mercado. Hoje não tem ninguém trazendo para o Brasil. Não teremos aparelho de marca própria.

Você já fez uso de algum?
Já e, particularmente, não consegui me adaptar. Tanto com o da Sony, quanto com o Kindle. A principalmente dificuldade não é a tela, é o formato. Preciso ter a visão do todo, daquela coisa de olhar para frente para trás, da página. No Kindle, se você deixar uma letra boa, enxerga praticamente um parágrafo e meio. Isso me incomoda.

Pode-se dizer que o ebook é uma aposta no aumento do poder de compra do brasileiro? Se sim, não seria algo arriscado?
O hábito de leitura é um pouco independente da classe. É óbvio que se tem o cara de uma classe mais simples e ele já lia, quando ele ganhar mais, vai comprar mais. Mas o hábito de leitura não é algo “ah, ganhei mais dinheiro e vou sair comprando livros”. A renda ajuda, sem sombra de dúvidas, mas não ajuda do jeito que ajuda no eletroeletrônico. Nesse setor, as pessoas vão ganhando e comprando geladeira, televisor…

O brasileiro está comprando mais livros pela internet?
Acho que sim, principalmente as cidades que não têm livraria. As cidades que têm livraria, você tem opção de ir à loja. As que não têm, principalmente cidades menores e do interior, as pessoas mais acostumadas ao ambiente eletrônico estão comprando mais. Na nossa opinião, os consumidores não são “monocanais”. Vemos isso todos os dias: o consumidor compra pela internet e compra pela loja física também. O consumidor não é um tipo só. Por exemplo, se quero vender mais em Campinas, tendo a loja física e as pessoas a conhecendo, na hora que as pessoas precisam de conveniência, elas vão até o site. Então, são lojas complementares, não excludentes. Uma loja ajuda a outra.


Qual sua visão sobre a disponibilidade de livros gratuitos na internet, como acontece com o Google Books?
Isso ajuda a vender. A gente tem, inclusive, um acordo com o Google que permite a leitura do livro todo pelo site.

A Livraria Cultura também pretende investir no mercado de musica digital?
Não, por questões burocráticas. É muito mais complexo o mercado de música no Brasil, tanto é que pouquíssima gente está vendendo. E tem outras questões de controle, direito autoral que são muito complexas. Então vamos esperar um pouco. Para se ter uma idéia, uma música que vou vender por um real, tenho às vezes que gerar mais de doze contas a pagar. A questão da música, infelizmente, por questões bastante particulares de pagamentos e controles, exige que esperemos mais.

Os CDs têm vida longa?
Olha, a gente discute isso praticamente todo dia, até quando vão duras essas coisas. Ano passado, CDs e DVDs cresceram 17%. Crescimento real. Você me pergunta quando isso vai acabar, digo: “não sei”. O vinil já significa 5% do meu segmento música, o que três anos era zero. Há pouco fui à uma inauguração de um grande lançamento de uma fábrica vinis (a fábrica Polysom). Então o mundo é muito doido, não dá para responder sobre o futuro. São coisas que, vamos dizer assim, tem cauda longa, afinal, trabalhamos com nicho…

Sabe dizer a causa da volta do vinil?
Tem dois tipos que a gente sente. Tem o nostálgico que coleciona, quer deixar na estante; e tem os mais novos que não conheceram o vinil. Hoje o vinil é diferente, mais moderno. A molecada de 16 anos adora, é uma coisa pessoal. As pessoas vão em casa e olham também. Se você pensar e viver hoje na tecnologia, o que você vai ter para mostrar, uma caixinha e só? Há uma necessidade de colecionar, de mostrar, e isso é o ser humano.

Fonte: Revista Info

Um comentário:

Andrea Hespanha disse...

Muito bom, mesmo! Não precisamos descartar tecnologias para agregar outras. Aliás: agregar, somar e compartilhar.
Ah! tb tenho toca-discos...