quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Pierre Lévy e o novo papel do conhecimento

Estive semana passada na Petrobras para a palestra de Pierre Lévy, aqui no Rio. Lévy tem se dedicado mais recentemente a desenvolver uma nova linguagem, um projeto prático que visa facilitar a interpretação dos códigos da rede.
Quer humanizar o que ainda é não “humanizável” na rede digital, tal como os resultados do Google: ao você mexer dentro dele, poderá manipular os algoritmos.
O seu último projeto prático não se massificou, como foi o caso do software da árvore do conhecimento. Tenho dúvida se este é o melhor caminho dele (mais prático, menos teórico), mas quem sabe agora ele acerta?
Porém, com certeza, o forte de Lévy é a sua rara capacidade associativa / sintética para criar um cenário baseado na história humana, mais factível das mudanças vividas com a chegada da rede digital (internet) e escrever isso, como sugere Einstein, de tal forma que qualquer vovó entende.
Levy está uns 20 anos na frente, assim como esteve em 99, quando avaliou a partir da história que estávamos enfrentando com a internet a chegada de nova era cognitiva, no seu livro Ciberculturarecomendo como porta de entrada para quem não conhece a sua obra.
Na palestra da Petrobras, como vemos no quadro acima, ele não trouxe algo totalmente novo, pois vem aprofundando a base a qual o fez um dos maiores pensadores atuais e um, senão o principal, sobre internet.
Em resumo ele disse:
  • É preciso olhar a história para compreender a internet, se não nos perdemos
  • A internet permitirá mudanças no planeta com repercussões em vários aspectos da nossa vida.
Percebi: ele deu uma arrumada melhor na sua divisão histórica, antes falava nas fases – tempos de espírito – oral, da escrita e do digital.
Hoje, inclui a relevância do alfabeto e da mídia de massa como passagens proeminentes, etapas da evolução da mídia, as quais chamou de midiosfera. E começa a fazer a relação entre estas mudanças na política, na economia (até onde ele mostrou por lá).
Mas foi só no sábado, pedalando, quando a poeira do encontro assentava, que me veio claramente a importância do legado de Lévy: ele tem influenciado um amplo leque de pesquisadores pelo país afora, dentre os quais me incluo.
Lévy propõe, na verdade, ver o mapa mundi de cabeça para baixo.
Explico.
Alguns pensadores ao longo da histórica tiveram esse mérito. Pegaram um ponto adormecido da maneira que olhávamos o mundo e repensaram, recolocaram ou trouxeram luz. Deram-nos a possibilidade de ver a realidade sob outro ponto de vista, a partir de problemas que não podiam mais ser pensados da mesma maneira, pois geravam crises de percepção. E essas, por consequência, desembocavam em crises práticas.
(Basta ver o despreparo das organizações para lidar com a rede digital.)
Entre outros:
  • Darwin, Marx – Evolução, Economia, Ideologia – Século XIX;
  • Freud, McLuhan, Einstein – Inconsciente, Comunicação, Relatividade – Século XX;
  • Lévy – Conhecimento, Mídia, Informação – Século XXI.
A grande bandeira de Lévy é muito ousada e, portanto, tão difícil de ser digerida pela sociedade e, principalmente, pelo dito mercado.
Ele nos propõe a repensar completamente o papel do conhecimento / informação / comunicação na sociedade, pois víamos esses fatores como algo secundário influenciado pela política e economia, por exemplo.
Eram condicionados e não condicionantes.
A chegada da internet nos colocou uma realidade na qual este tipo de visão não é tão eficaz, pois a sociedade começa a fazer macro-mudanças inexplicáveis por causa da chegada da rede.
Novas empresas, novos movimentos políticos, novas formas de se vender, de comprar, de se informar, se comunicar, de se relacionar. E não é nem a economia, nem a política e nem o social que estão provocando tais fatos, mas a macro-mudança no ambiente da mídia e isso envolve o conhecimento, a informação e a comunicação.

Como isso é possível dentro das teorias atuais?

Ou seja, a rede digital criou um desafio teórico encarado por Lévy. E gerou, a partir de suas teorias, uma crise paradigmática, de concepção, que nos faz repensar a base de como vemos a sociedade e nós mesmos.
Lévy sugere inverter o mapa conceitual vigente, demonstrando, por meio de uma lógica histórica, que, ao contrário de nossa vã filosofia, na qual o conhecimento / informação / comunicação, encapsulados em uma nova mídia, criam a estrada pela qual a economia, a política e a sociedade irão trafegar de forma radicalmente diferente no futuro.
E não, como achávamos antes, o contrário.
Ou seja, se não entendermos as mudanças neste campo não conseguiremos entender a dos outros. Isso é uma ruptura radical na nossa maneira de enxergar a realidade! E o principal desafio teórico do século XXI. É o mundo teoricamente de cabeça para baixo.
A nova rede digital influencia a sociedade, pois essa passa a influenciar a rede, mas sem a rede, a sociedade não poderia se influenciar e ser influenciada.
Ele lembra: há momentos na história, tal como a chegada da fala, da escrita, do alfabeto, da mídia de massa, da internet, que uma grande mudança serve como marco e permite outras ocorrerem em larga escala.
Não é causa, mas uma forte consequência. Lévy deixa isso claro: não é a mídia a criadora da mudança, mas sem ela as mudanças seguintes não serão e não foram possíveis.
A nova mídia é o berço no qual o bebê se deita.
Ponto.
Outros autores, principalmente historiadores, falaram algo parecido, mas não com a clareza, simplicidade e o alcance que os pensamentos de Lévy atingiram na sociedade entre uma parcela importante de pesquisadores e pensadores, principalmente os menos preconceituosos e menos dogmáticos.
Leia abaixo com cuidado essa comparação entre economia x mídia para reforçar a ideia do que influencia o que.
Lévy apresenta: a chegada de novas mídias afeta e permite a economia das caçadas, da agricultura, do comércio industrial e agora da economia do conhecimento.
Assim, podemos dizer: o erro teórico principal atual é ignorar o papel da chegada da rede digital como um fator relevante de análise para o futuro!
Por exemplo, quando se analisa os recentes movimentos dos países árabes ou europeus (Espanha ou Inglaterra), lembra-se do papel da rede, mas não se imagina que estamos procurando construir uma nova forma de fazer política, viável agora com o novo ambiente da mídia.
Só uma visão Levyniana permite ver com mais amplidão estes fenômenos, como primeiros passos de uma nova forma de fazer política e não movimentos isolados do movimento histórico do avançar de uma nova mídia “desintermediadora”.
Ou quando se fala do futuro da economia (capitalismo cognitivo e/ou digital) e da política (2.0) não se enxerga, quase nunca, o papel que a nova rede digital terá de forma contundente, marcante nesse processo, fundando uma nova civilização.
Onde você lê isso com destaque nas revistas de economia? Ignoram as teorias de Lévy e de outros que caminham na sua trilha, tal como Castells no Brasil e no mundo.
Esse é o principal papel de Lévy para as teorias sobre a sociedade. Olhávamos o mundo da economia, da política e da sociedade como influenciadores do conhecimento, da informação e da comunicação e não o contrário.
E é esse mapa_teórico_mundi invertido que estamos vivendo hoje e é tão difícil de aceitar e ver de forma distinta.
Lévy apresenta um atalho mais eficaz para compreender o mundo, mas a sociedade não quer ver, ignora, pois estamos, como sempre estaremos, no piloto automático, avessos às novas ideias radicais, como sofreram os pensadores associativos/sintéticos do passado como Marx, Freud, Darwin, Einstein, entre outros.
Nessa direção vale a leitura do texto “A nova psicologia da liderança estratégica“, da Harvard Business Review, edição brasileira, de julho, de Giovanni Gavetti, parte do texto pode ser lido aqui.
Gavetti nos diz: ao se pensar o futuro, as pessoas (principalmente os estrategistas) tendem a vê-lo com os olhos do passado e, no máximo, do presente imediato. Perde-se muito tempo em análises externas (fatos) e não internas, ou “nossos processos mentais” (como pensamos).
Ou a maneira equivocada, viciada, domesticada de vermos o mundo. Que os estrategistas (responsáveis pelos cenários do porvir) tendem a chegar as mesmas conclusões, pois pensam de uma forma muito esquemática e pouco criativa, não associam, apenas somam as informações.
Que as grandes oportunidades disponíveis (e as mais lucrativas) não serão atingidas se continuarmos pensando de forma usual.
Que temos a tendência de nos deixar levar pelos pensamentos cognitivamente próximos cognitivamente distantes. daquilo que as empresas fazem e rejeitar ideias
Para isso, segundo ele, é preciso praticar um tipo de cognição associativa externa ao senso comum.
(Vejo hoje no mercado justamente essa GRANDE dificuldade ainda mais por que somos filhos, netos e bisnetos da escola não-associativa muito mais baseada na memória do que na criatividade).
Estamos tão viciados e tão aflitos para resolver os problemas do hoje (fala-se em valor e lucro imediato) como se todos estivessem vendo o mundo de forma prática, mas no fundo da mesma maneira.
Aqui vale chamar o Cortella: “O mundo ocidental capitalista especializou-se nos “comos” e deixou de lado os “por quês”” – (do Livro “Qual é a tua obra?” que considerei um dos melhores de 2011.)
Queremos resolver o como e não perguntamos os por quês das coisas, onde estão as grandes mudanças geradoras das grandes oportunidades! Nos meus cursos, muitos dos participantes querem tudo mastigado, pois não querem pensar cognitivamente distantes. Acham pouco prático algo extremamente útil.
Querem resolver demandas e não criar demandas, a partir de um cenário construído por ideias distantes como estas do Lévy e afins. Mas, como lembra Gavetti precisamos olhar as coisas de forma diferente se quisermos pensar a estratégia de forma mais eficaz.
E é justamente isso que Lévy traz para o mundo.
Essa visão cognitiva distante de Lévy, que bate de frente com a visão do mundo apressado em ganhar dinheiro para ontem, mas cada vez mais cego para as grandes oportunidades que pensadores associativos/sintéticos projetam de forma eficaz para o futuro.
Justamente onde estão as grandes oportunidades de gerar valor. Ou seja, quer se gerar valor, desde que não precise mudar quase nada!
É o valor da mesmice!
Esse é o dilema (e mesmo o drama) dele e da nossa civilização, a primeira da nova era digital.
Nossas cabeças cognitivamente viciadas não conseguem (por enquanto) compreender o que, de fato, vivemos e o mega-desafio adiante.
Lévy está aí para ajudar, mas quem quer, de fato, ouvi-lo e praticar?
Fica tudo uma grande curiosidade, mas quando acaba todo mundo volta para casa e para a sua mesa de trabalho… Ouve-se: ok, agora vamos voltar para “a realidade”

Fonte: Webinsider

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