sexta-feira, 21 de maio de 2010

Robert Darnton e a utopia possível das bibliotecas e livros digitais

“Pense no livro. Sua resistência é extraordinária. Desde a invenção do códice, por volta do nascimento de Cristo, provou-se uma máquina maravilhosa – excelente para transportar informação, cômodo para ser folheado, confortável para ser lido na cama, soberbo para armazenamento e incrivelmente resistente a danos”, escreveu o historiador Robert Darnton no recém-lançado A questão dos livros: passado, presente e futuro (Companhia das Letras, tradução de Daniel Pellizzari). E completa: o livro “não precisa de upgrades, downloads ou boots, não precisa ser acessado, conectado a circuito ou extraídos de redes. Seu design é um prazer para os olhos. Sua forma torna o ato de segurá-lo nas mãos um deleite. E sua conveniência fez dele a ferramenta básica de saber por milhares de anos, mesmo quando precisava ser desenrolado para ser lido (na forma de rolos de papiro, diferentemente do códice, composto de folhas reunidas por encadernação).”

A frase poderia sugerir que A questão dos livros é um libelo em defesa dos livros em papel – o que não deixa de ser –, mas a obra de Darnton é também uma instigante série de ensaios e reflexões baseadas em diversas experiências do autor com a criação de projetos de livros, coleções e bibliotecas digitais. O historiador coordenou uma pioneira iniciativa, o projeto Gutemberg-e, de editar uma coleção de teses de história em formato digital junto à American Historical Association e em vários dos ensaios discute desde o status acadêmico deste tipo de edição (em um universo que continua a privilegiar os livros impressos) até questões de preço, distribuição e direitos autorais.

Como ex-diretor da Biblioteca de Harvard (pioneira em arquivar informações geradas digitalmente), mostra as possibilidades de criar bibliotecas digitais públicas e as insuficiências e dilemas colocados pelo projeto do Google de reunir a maior biblioteca virtual do planeta. Com isso, A questão dos livros é um guia para entender os dilemas intelectuais, editoriais, éticos e comerciais que envolvem não apenas o projeto do Google, mas a própria existência física de acervos textuais e livros cuja preservação tem estado em risco frente às ilusórias (até agora) vantagens do armazenamento digital.

Um dos aspectos mais interessantes dos ensaios de Darnton é que ele propõe uma reflexão sobre o que seria efetivamente um livro digital, editado em camadas, que abrangeria leituras e interesses distintos. O que se observa hoje é muito mais uma corrida para transformar livros impressos em arquivos eletrônicos que possam ser lidas em máquinas cada vez mais amigáveis à leitura, e menos a busca de inventar de fato o livro digital, refletindo sobre o que pode mudar do ponto de vista da produção intelectual do texto (em qualquer campo), da sua edição, da leitura e assim por diante.

Assim, por exemplo, uma tese de ciências humanas criada digitalmente poderia ter como primeira camada uma exposição concisa do tema. A camada seguinte conteria versões expandidas de diferentes aspectos do mesmo argumento. Uma terceira camada poderia apresentar documentos, textuais, iconográficos ou sonoros acompanhada por ensaios interpretativos. Uma quarta camada seria teórica ou historiográfica, com seleção de trabalhos anteriores e discussões. Uma quinta seria pedagógica, com sugestões para debates em salas de aula e módulos de ensino. Uma sexta apresentaria a correspondência entre o autor e o editor sobre a obra, cartas de leitores e a possibilidade de se expandir à medida que o livro fosse sendo lido e criticado.

“Este novo formato de livro traria à tona um novo tipo de leitura”, escreve Darnton. “Longe de deplorar os modos eletrônicos de comunicação, quero explorar as possibilidades de aliá-los ao poder desencadeado por Johannes Gutenberg há mais de cinco séculos”, escreve Darnton, para quem a era digital abre possibilidades realmente novas de se implantar a utopia da “República das Letras” imaginada no século 18.
 
Fonte: PublishNews

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